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Ciência Florestal
Centro de Pesquisas Florestais - CEPEF, Departamento de Ciências Florestais - DCFL, Programa de Pós Graduação em Engenharia Florestal - PPGEF
ISSN: 0103-9954 EISSN: 1980-5098
Vol. 21, Num. 4, 2011, pp. 811-821

Ciência Florestal, Santa Maria, v. 21, n. 4, p. 811-821, out.-dez., 2011

CARVÃO PIROGÊNICO COMO CONDICIONANTE PARA SUBSTRATO DE MUDAS DE Tachigali vulgaris L.G. Silva & H.C. Lima

CHARCOAL AS AMENDMENT TO SUBSTRATE OF SEEDLINGS OF Tachigali vulgaris L.G. Silva & H.C. Lima

Fabiane Furlaneto Souchie1 Ben Hur Marimon Junior2 Fabiano André Petter3 Beata Emöke Madari4 Beatriz Schwantes Marimon5 Eddie Lenza6

1Bióloga, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus de Nova Xavantina, Rod BR 158 km 145, CEP 78690-000, Nova Xavantina (MT). fabiane_souchie_nx@hotmail.com
2Engenheiro Florestal, Dr., Professor Adjunto do Departamento de Ciências Biológicas, Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação, Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus de Nova Xavantina, Rod BR 158 km 145, CEP 78690-000, Nova Xavantina (MT). bhmjunior@gmail.com
3Engenheiro Agrônomo, Dr., Professor do Departamento de Agronomia, Programa de Pós-graduação em Fitotecnia, Universidade Federal do Piauí, Campus de Bom Jesus, Rod BR 135 km 03, CEP 64900-000, Bom Jesus (PI). petter@ufpi.edu.br
4Engenheira Agrônoma, Drª., Pesquisadora A, Embrapa Arroz e Feijão, Rodovia GO-462, km 12 Zona Rural, CEP 75375-000, Santo Antônio de Goiás (GO). Bolsista de produtividade do CNPq. madari@cnpaf.embrapa.br
5Engenheira Florestal, Drª., Professora Adjunta do Departamento de Ciências Biológicas, Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação, Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus de Nova Xavantina, Rod BR 158 km 145, CEP 78690-000, Nova Xavantina (MT). biamarimon@hotmail.com
6Biólogo, Dr., Professor Adjunto do Departamento de Ciências Biológicas, Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação, Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus de Nova Xavantina, Rod BR 158 km 145, CEP 78690-000, Nova Xavantina (MT). eddielenza@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 17/05/2010 e aceito em 12/12/2010

Code Number: cf11079

RESUMO

Este estudo teve como objetivo verificar a eficiência de carvão vegetal pirogênico como condicionante de substrato para o desenvolvimento de mudas florestais de alto vigor, testando-se o carvoeiro (Tachigali vulgaris) como espécie representativa do Bioma Cerrado. Foram tomados como modelo de produtividade os solos de elevada capacidade de troca catiônica com Horizonte A antrópico da Amazônia (Terras Pretas de Índio), ricos em carbono pirogênico derivado de carvão vegetal. O experimento foi realizado no viveiro da Universidade do Estado de Mato Grosso, no município de Nova Xavantina-MT. Foram utilizadas quatro concentrações de carvão de eucalipto (Eucalyptus sp.) com 5; 12,5; 25 e 50% do volume total do substrato base e 0% como testemunha. Foi avaliada a porcentagem de emergência no início do experimento. Durante oito meses, a cada 30 dias, foi contado o número de folhas e medida a altura total das mudas. No oitavo mês foi medido o diâmetro do coleto e determinada à massa seca da raiz e da parte aérea. Os tratamentos e a testemunha apresentaram emergência superior a 80%, não havendo influência do carvão. Entretanto, o carvão vegetal incrementou significativamente a altura das mudas, o número de folhas, o diâmetro do coleto e a massa seca radicular e da parte aérea, o que ficou evidenciado pela forte correlação positiva com as concentrações de carvão. Portanto, o carvão vegetal pirogênico é uma alternativa viável como condicionante de origem biológica do substrato para a produção de mudas potencialmente mais resistentes, requerimento importante para plantios em campo sob condições mais severas, como na recuperação de áreas degradadas no Bioma Cerrado.

Palavras-chave: Biochar; porcentagem de emergência; altura; massa seca; cerrado.

ABSTRACT

The objective of the present study was to investigate the efficiency of charcoal as amendment to the substrate used for high vigor of growing seedlings, testing Tachigali vulgaris as representative species of the ‘Cerrado’ Biome. Amazonian dark earth soil (Terra Preta de Índio), enriched by pyrogenic carbon and available nutrients were taken as model example. The experiment was carried out in the nursery of the State University of Mato Grosso, in Nova Xavantina, Mato Grosso state, Brazil. The treatments consisted of 0, 5, 12.5, 25 and 50% (v/v) of Eucalyptus sp. charcoal mixed with the standard substrate. Seed germination was evaluated at the beginning of the experiment, as well as the height and stem diameter of seedlings and the number of leaves was measured every 30 days during eight months. At the end of the 8th month, the stem diameter and the dry matter of the seedling biomass (aerial part and root system) were measured. The germination of the seeds was above 80% in all treatments and no differences were observed between them. The charcoal, however, had significant effect on the other parameters determined, all of them showing significant and positive correlation with the charcoal doses. Consequently, charcoal is a good option as biological amendment to the substrate for the creation of healthy and more resistant seedlings of Tachigali vulgaris, an important requirement for adverse field conditions, such as restoration of degraded areas in the Cerrado Biome.

Keywords: Biochar; seed germination; plant height; plant biomass; Brazilian savanna (Cerrado).

INTRODUÇÃO

A perturbação e a degradação dos solos tropicais têm sido intensificadas nas últimas décadas por ações antrópicas inadequadas (NEPSTAD et al., 1999), especialmente àquelas provocadas pelo avanço da fronteira agrícola no Brasil Central. Esta ocupação pela agricultura não está sendo acompanhada de ações adequadas de prevenção e recuperação de áreas degradadas. A recuperação de um ambiente degradado é um dos grandes desafios atuais da ciência e visa, acima de tudo, buscar a similaridade com as características anteriores ao distúrbio ambiental (YOUNG, 2000). Algumas dessas características podem ser obtidas com a reintrodução de espécies nativas, que para tanto dependem da produção de mudas de alta qualidade para seu estabelecimento, especialmente nas condições edáficas mais severas como àquelas encontradas em ambientes degradados.

A boa formação de mudas destinadas à recuperação de áreas degradadas está relacionada com a qualidade dos substratos. A composição do substrato tem sido amplamente estudada para obtenção de meios de crescimento que ofereçam composição uniforme, baixa densidade, alta capacidade de troca catiônica (CTC), alta capacidade de retenção de água e boa aeração e drenagem, fatores que proporcionam condições ideais para a germinação, crescimento e desenvolvimento de mudas (MUROYA et al., 1997).

A utilização de adubos orgânicos passou por algumas fases. Estercos, por exemplo, muito utilizados no passado, tiveram seu uso reduzido com o aparecimento dos adubos químicos, mas atualmente o interesse em seu uso é crescente pela preocupação com a degradação ambiental e a necessidade do uso de orgânicos na agricultura sustentável (BRUMMER, 1998). A manutenção da matéria orgânica do solo (MOS) é um dos principais fatores limitantes ao desenvolvimento da sustentabilidade do solo (STEWART e ROBINSON, 1997) e um dos princípios fundamentais da agroecologia. A matéria orgânica beneficia o crescimento vegetal, uma vez que melhora as principais propriedades físicas, químicas e biológicas do solo (BAYER et al., 2004), ocorrendo o mesmo com substratos para produção de mudas de espécies arbóreas em viveiro, especialmente de plantas nativas.

Segundo Zanetti et al. (2003), um subproduto residual obtido da produção de carvão vegetal, muitas vezes referido como carbono pirogênico ou biochar, é o chamado fino de carvão (resíduo em partículas < 8 mm e em pó), que recentemente passou a ser visto como alternativa para melhorar as condições de crescimento de plantas na agricultura. Resultante da pirólise da madeira, o carvão vegetal apresenta características que aumentam a capacidade de retenção de água e nutrientes no solo devido à sua natureza porosa e forma relativamente estável da MOS, cuja estrutura policíclica aromática confere estabilidade e apresenta atividade química na sua superfície, promovendo também a absorção de compostos orgânicos solúveis (BENITES et al., 2005; NOVOTNY et al., 2009). Se misturado ao solo ou substrato, o pó de carvão aumenta a sua porosidade, aeração e capacidade de retenção de água (ZANETTI, et al., 2003).

Segundo Casselman (2007), como o carvão não se degrada rapidamente, sua estrutura poderia manter, por centenas de anos, grande parte do carbono pirogênico que contém, ao invés de liberá-lo na atmosfera na forma de CO2, principal gás do efeito estufa. Portanto, aumentaria a produtividade agrícola através de sua capacidade de reter nutrientes e umidade, contribuindo, ainda, para o meio ambiente através do sequestro de carbono e diminuição do efeito estufa.

Lehmann et al. (2003), em estudos com solos antropogênicos na Amazônia, as chamadas “Terras Pretas de Índio”, verificaram que a produtividade destas terras é excepcionalmente maior do que o normal, graças, principalmente, à presença de carbono pirogênico resultante de antigas adições desse material ao solo pelos povos indígenas (fogueiras domésticas), assim como de restos de comida e ossos carbonizados. O carvão, como nas Terras Pretas de Índio, pode produzir importantes melhorias nas propriedades químicas e físicas do solo como, por exemplo, elevação dos níveis de pH, Ca trocável, P extraível, CTC, e na capacidade de agregação das partículas do solo (KÄMPF et al., 2003). Portanto, o mesmo efeito pode ser esperado no substrato de mudas em viveiro, com substancial contribuição para o crescimento das plantas e aumento do seu vigor, garantindo maior sucesso no replantio nas condições climáticas do Bioma Cerrado (estação seca prolongada).

De acordo com Yamazoe e Vilas Boas (2003), é de fundamental importância na recuperação de áreas degradadas, escolher espécies vegetais de rápido crescimento, proteger e enriquecer o solo, abrigar e alimentar a fauna, recompor a paisagem e determinar o regime de água no solo. O carvoeiro (Tachigali vulgaris L. G. Silva & H. C. Lima, ex Sclerolobium paniculatum Vogel - Fabaceae), espécie típica dos estágios iniciais de sucessão, é considerado ideal para o reflorestamento devido à sua alta capacidade de produção de biomassa (FELFILI et al., 1999), rápido crescimento em condições adversas e alta resistência às perturbações ambientais.

Este trabalho teve como objetivo testar a eficiência do uso de carvão vegetal, obtido da pirólise da madeira de Eucalyptus sp., como condicionante de substrato para o desenvolvimento de mudas de carvoeiro, uma das espécies mais importantes em fitofisionomias florestais nativas do Bioma Cerrado sob solos distróficos, sendo muito utilizada na recuperação de áreas degradas.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi realizado no viveiro da Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT, Campus de Nova Xavantina, com localização geodésica 14º41’25’’ S e 52º20’55’’ W. O clima é do tipo Aw, segundo a classificação de Köppen (Camargo, 1963), com duas estações bem definidas, sendo uma seca entre abril e setembro e outra chuvosa entre outubro e março, com precipitação média anual de 1.700 mm e temperatura média anual de 24,4ºC, conforme dados da estação meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia em Nova Xavantina. Julho e agosto são os meses mais secos, apresentando déficit hídrico acentuado. O potencial de evapotranspiração da região varia ente 1.600 e 1.700 mm (SILVA et al. 2008).

O substrato base utilizado em todos os tratamentos no experimento foi composto por uma mistura 3:1 de Latossolo Vermelho-Amarelo textura argilosa e areia lavada. Esta mistura apresentou as seguintes propriedades, conforme especificações da Embrapa (1997): pH (H2O): 5,3; Fósforo (P): 2,7 mg dm-3 (método de Mehlich I); Potássio (K+): 55 mg dm-3; Cálcio (Ca2+): 1,2 cmolc dm-3; Magnésio (Mg2+): 0,4 cmolc dm-3; Alumínio (Al3+): 0,2 cmolc dm-3; Acidez total (H++Al3+): 5,2 cmolc dm-3; Saturação por bases (V%): 24; Capacidade de troca catiônica (CTC): 7,14 cmolc dm-3; Matéria orgânica oxidável com dicromato de Potássio (M.O.): 1,8 g dm-3; Argila: 480 g kg-1; Areia: 440 g kg-1 e Silte: 80 g kg-1. Tendo como base de cálculo as concentrações dos macronutrientes, foram acrescidos ao substrato 2 kg de calcário dolomítico (PRNT 90%) e 400 g de adubo químico N-P-K (10-10-10) por cada metro cúbico de substrato total para suprir as necessidades básicas de nutrição das plantas.

O carvão vegetal foi obtido a partir da carbonização e moagem de madeira de Eucaliptus sp. em moinho de bolas até a obtenção da granulometria menor que 2 mm em 80% do material. O pH (H2O) do carvão foi 9,4±0,1 e os elementos prontamente biodisponíveis, determinados através de extratores normalmente utilizados em análise de fertilidade de solos (EMBRAPA, 1997) foram: P (método de Mehlich I): 137,3±10,0 mg dm-3; K+: 1973,3±40,4 mg dm-3; Ca2+: 2,8±0,2 cmolc dm-3; Mg2+: 2,3±0,1 cmolc dm-3; Al3+: 0,0±0,0 cmolc dm-3; H++Al3+: 0,0±0,0 cmolc dm-3; Fe: 74,0±1,0 mg dm-3; Mn: 88,0±2,0 mg dm-3; Zn: 3,6±0,2 mg dm-3; Cu: 1,0±0,1 mg dm-3; M.O.: 59,7±1,2 g dm-3; Carbono total (C): 77,4±0,41%; Nitrogênio total (N): 0,33±0,03%. O C e N totais foram determinados pelo método Dumas (NELSON e SOMMERS, 1996), via combustão completa a alta temperatura.

Os tratamentos foram compostos por quatro concentrações de carvão vegetal: 5; 12,5; 25 e 50% do volume total de base do substrato e uma testemunha (sem carvão). O substrato foi devidamente homogeneizado em betoneira e transferido para sacos de polietileno preto de 10×20 cm e volume de 1,57 dm3 com perfurações laterais para saída do excesso de água. Foram feitas 60 repetições para cada tratamento e testemunha com delineamento experimental inteiramente casualizado. A quantidade de cada elemento adicionado ao substrato através do carvão vegetal está apresentada na Tabela 1.

As sementes foram fornecidas pela Embrapa Agrobiologia (Seropédica-RJ). Após seleção manual, foi realizada a quebra de dormência por meio de escarificação mecânica, cortando-se levemente a extremidade da semente do lado oposto ao embrião. Em seguida, foram semeadas diretamente nos sacos de polietileno na profundidade de 1 cm. As mudas foram mantidas no viveiro sob tela do tipo sombrite a 30% de transparência ao sol, desde a semeadura até o final do experimento, sobre bancadas metálicas para evitar contato direto com o solo. As irrigações foram feitas por microaspersão, duas vezes ao dia, por trinta minutos contínuos, durante todo o período experimental. Para controle sanitário preventivo e curativo do experimento, foi utilizado deltametrina com uma aplicação aos dois, quatro e seis meses após a semeadura, uma vez que nesta fase das mudas existe alta incidência de ataque de insetos fitófagos na região. Foi realizada uma adubação foliar do composto N-P-K (12-4-6) no segundo, terceiro e quarto mês após a semeadura em cada tratamento e testemunha a fim de evitar sintomas de deficiência de macronutrientes causados pela alta demanda nutricional da espécie durante esta fase de crescimento.

Observou-se a emergência com 15, 30 e 45 dias após a semeadura, sendo considerada emergente a semente com protrusão evidente dos cotilédones na superfície do solo. A cada 30 dias, durante sete meses, foi registrado o número de folhas e a altura das mudas. Foi medido o diâmetro do coleto oito meses após o início do experimento com auxílio de paquímetro digital (precisão de 0,02 mm). A altura foi medida com régua milimetrada, partindo-se do nível do substrato até a gema apical.

Ao final do experimento (oito meses), foram registradas também as medidas de produção de biomassa seca do sistema radicular e da parte aérea das plantas. As mudas foram destorroadas, lavadas e separadas em raiz e parte aérea individualmente. O material foi embalado separadamente (raiz e parte aérea) em sacos de papel devidamente identificados e posteriormente levados à estufa a 70°C para secagem até peso constante. As amostras foram pesadas em balança de precisão imediatamente após a secagem para evitar absorção de umidade do ar.

Foram calculadas as médias aritméticas de cada parâmetro e comparadas entre os tratamentos através do método de Kruskal-Wallis, sendo as fontes de variação submetidas ao teste de Duncan a 5% e a correlação bivariada dos dados pelo método de Pearson. As análises estatísticas foram realizadas através dos programas BioEstat 3.0 (AYRES et al., 2003) e SAS (SAS INSTITUTE, 1988).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em todos os tratamentos com carvão vegetal e testemunha, a emergência das plântulas foi superior a 80%. De acordo com Carvalho (2005), valores acima dos 50% são indicados como mínimo aceitável para a espécie. Estes resultados revelam que as diferentes concentrações do carvão não interferiram significativamente no desempenho germinativo das sementes, que depende tanto da qualidade da semente quanto das condições ambientais para germinação, tais como o suprimento de água e de oxigênio, temperatura, luz, tipo de substrato e a presença de inibidores ou promotores de germinação (SALOMÃO et al., 2003). Desta forma, o alto percentual de germinação observado na testemunha e em todos os tratamentos deve-se principalmente à viabilidade e ao vigor germinativo das sementes e às condições adequadas de microambiente e do substrato e não às diferentes concentrações de biochar.

Em relação à altura das plantas (Tabela 2), a partir do terceiro mês do crescimento, houve correlação significativa (r= 0,88; p= 0,0471) entre as doses de carvão aplicadas e o crescimento das plantas até o final da avaliação. Exceto na concentração de 5% de carvão, os demais tratamentos influenciaram de forma significativa na altura das plantas (Figura 1) ao longo do experimento, com forte tendência para maiores taxas de crescimento nas maiores concentrações de carvão ao substrato. A partir do terceiro mês ficou claramente evidenciado o efeito linear positivo e proporcional das concentrações de carvão utilizadas.

Os resultados confirmaram a hipótese de que a adição de carvão vegetal ao substrato favorece o crescimento das mudas de carvoeiro. Esses valores podem estar relacionados à adição de nutrientes associados ao carvão vegetal (Tabela 1), que pode ter resultado em maior quantidade de nutrientes disponíveis para o desenvolvimento das mudas. Além da adição dos nutrientes que normalmente são encontrados no carvão vegetal, relatos na literatura (e.g. NOVOTNY et al., 2009) confirmam que, apesar do carvão vegetal ser considerado um material bastante inerte, este possui na sua estrutura molecular sítios capazes de realizar troca iônica, condição singular que pode contribuir para o aumento da capacidade de troca catiônica (CTC) dos substratos e assim proporcionar maior disponibilidade de nutrientes.

Resultados semelhantes também foram observados para as espécies arbóreas Anadenanthera macrocarpa (SAKITA et al., 2007) e Eucalyptus grandis (PORTO et al., 2007) com a incorporação de carvão vegetal ao substrato, juntamente com o extrato pirolenhoso obtido da condensação da fumaça no processo de carbonização da madeira, e em espécies anuais com a aplicação de carvão ao solo, influenciando em ganho de biomassa e produção de grãos. Major et al. (2005) verificaram aumento da biomassa de plantas de arroz em 53% e Oguntunde et al. (2004) observaram um incremento na produtividade de grãos (91%) e na biomassa com cerca de 44% de adição de carbono na forma de carvão vegetal.

Foi observado um aumento no número de folhas para todos os tratamentos nos três primeiros meses até atingir um máximo entre março e abril de 2009, quando as mudas começaram a apresentar queda foliar (Figura 2). Este período representa o final da estação chuvosa, coincidindo com o encurtamento dos dias. Neste caso, todos os tratamentos responderam da mesma forma ao avanço da estação seca. Como o experimento foi irrigado, fatores como alterações hormonais, responsáveis pela queda foliar, devem estar relacionados aos aspectos da fisiologia da planta que envolve o fotoperíodo, temperatura média e/ou umidade relativa do ar. Segundo Larcher (2000) a coordenação em nível do organismo vegetal relacionado ao processo de senescência das folhas é regulada pelos hormônios vegetais, principalmente o ácido abscísico.

Muitas espécies de florestas tropicais apresentam queda foliar na estação seca, fato que não está necessariamente relacionado com a disponibilidade de água no solo. Esta situação foi observada nos estudos de Wright e Cornejo (1990), que irrigaram 2,25 ha de floresta estacional na Ilha de Barro Colorado, no Panamá, e não encontraram efeitos significativos de diminuição da deciduidade pelo aumento da disponibilidade hídrica. No presente trabalho, mesmo apresentando deciduidade, o tratamento com 50% de carvão vegetal manteve as maiores médias de número de folhas durante todo o experimento (Figura 2), especialmente a partir do terceiro mês (março) do desenvolvimento das mudas. Adicionalmente, o número de folhas mostrou correlação positiva (r = 0,81; p = 0,0994) com as doses de carvão aplicadas, mantendo essa tendência até o final da avaliação em julho, mesmo após o início da queda foliar (Tabela 2). Assim, o carvão vegetal pode ter contribuído para a diminuição do efeito de senescência ou, pelo menos, ter provocado um atraso de resposta fisiológica da planta a este efeito.

A área foliar de uma planta depende do número e do tamanho das folhas, bem como do seu tempo de permanência em atividade e está relacionada com diversos processos fisiológicos, tais como fotossíntese, respiração e transpiração (PEREIRA, 1987). Portanto, é importante observar que o número de folhas significativamente maior no tratamento com 50% de carvão vegetal pode ter contribuído para maior interceptação de luz e, consequentemente, maior fotossíntese. Tais resultados evidenciam, assim, o efeito benéfico do carvão na dose de 50% para a produção de folhas de T. vulgaris, especialmente durante os meses de inverno (estação seca), mais frios e de umidade relativa do ar muito baixa (< 30%). Este efeito pode estar se refletindo nos demais parâmetros de desenvolvimento avaliados, uma vez que o crescimento em altura, diâmetro e o incremento de biomassa aérea e radicular dependem da fotossíntese líquida (TAIZ e ZEIGER, 2004).

O diâmetro do coleto (r = 0,98; p = 0,0024), a massa seca da parte aérea (r = 0,99; p = 0,0004), a massa seca do sistema radicular (r = 0,99; p = 0,0013) e, consequentemente, a massa seca total das mudas (r = 0,99; p = 0,0004) também apresentaram correlação positiva com as doses aplicadas de carvão vegetal (Tabela 2), que começou a ter efeito significativo a partir da concentração de 12,5% ao substrato. A maior média para o diâmetro do coleto foi observada na maior concentração do carvão (50%) (Figura 3). Não foram verificadas diferenças significativas (p < 0,05) para o diâmetro do coleto apenas entre a concentração de 5% e a testemunha e entre os tratamentos de 12,5 e 25% de carvão, dada a pequena diferença das doses entre estes tratamentos. Segundo Souza et al. (2006), o diâmetro do coleto e a altura são fundamentais para a avaliação do potencial de sobrevivência e crescimento de pós-plantio de mudas florestais em campo, pois estes parâmetros se refletem no acúmulo de reservas e asseguram maior resistência e melhor fixação da planta ao solo.

O carvão vegetal também influenciou no acúmulo de biomassa seca total (raiz + parte aérea). Para a biomassa na parte aérea, começou a produzir efeito significativo a partir da dose de 12,5%, para a biomassa na raiz a partir de 25% e para a biomassa total das mudas a partir de 12,5%. Não foi observada diferença entre as doses acima daquelas onde o efeito do condicionante foi observado primeiro (Figura 4). Houve ainda correlação positiva e altamente significativa entre as doses de carvão vegetal e o acúmulo de biomassa total nas mudas (Figura 5).

Resultados favoráveis foram encontrados por Mendonça et al. (2003) para altura, número de folhas e matéria seca da parte aérea e raiz para mudas de mamoeiro cultivar Sunrise Solo em substrato contendo esterco de curral + carvão vegetal + solo e areia na proporção de 2:1:1:1 v/v. Souza et al. (2006), ao avaliarem o efeito da aplicação do carvão vegetal em diferentes substratos (terriço, carvão, areia e areia + carvão), observaram maior incremento de biomassa seca da parte aérea e raízes em mudas de crajiru (Arrabidaea chica Verlot.) no substrato condicionado com carvão vegetal. Resultados similares também foram encontrados por Araújo Neto et al. (2009) quando compararam diferentes substratos orgânicos (esterco bovino, coprólitos de minhoca e casca de arroz carbonizada) para a produção de mudas de pimentão (Capsicum annuum), aumentando significativamente a biomassa seca (aérea, raízes e total) no tratamento condicionado com casca de arroz carbonizada. Madari et al. (2006) evidenciaram efeito positivo do carvão de Eucalyptus grandis na acumulação da matéria seca do sistema radicular e parte aérea de arroz de terras altas (cv. Primavera) na fase inicial do desenvolvimento da planta (primeiros 60 dias).

CONCLUSÕES

O uso do carvão vegetal de Eucalyptus sp. como condicionante de substrato não interferiu na emergência das plântula de carvoeiro (Tachigali vulgaris).

A altura, o diâmetro de coleto e a massa seca das mudas de carvoeiro aumentaram proporcionalmente com as concentrações de carvão vegetal ao substrato e seu efeito foi significativo a partir de 12,5% de concentração, contribuindo assim para a obtenção de mudas mais desenvolvidas.

A utilização do carvão vegetal na concentração de 50% do substrato base reduziu a senescência de folhas das mudas de carvoeiro durante a estação de seca.

O carvão vegetal tem grande potencial como condicionante de substrato para produção de mudas mais vigorosas de carvoeiro, condição recomendável para recuperação de áreas degradadas.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pelo suporte financeiro no Projeto 575019/2008-5 coordenado por B.H. Marimon-Junior (Fontes Alternativas de Nutrientes para a Agricultura Brasileira), pela bolsa 305031/2008-2 de produtividade em pesquisa concedida a B. E. Madari e pela bolsa de iniciação científica concedida a F. R. Andrade. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT) pelo suporte financeiro do Projeto 0738-2006 coordenado por B.H. Marimon-Junior (Tecnologia para Recomposição de Matas de Galeria). À Companhia Agro São Gabriel Ltda. e à Prefeitura Municipal de Nova Xavantina, pelo apoio logístico e financeiro na produção das mudas. Ao Dr. E. F. C. Campello, Chefe-Geral da Embrapa Agrobiologia, pelo fornecimento das sementes e contribuições sobre o tema de recuperação de áreas degradadas. À Embrapa Arroz e Feijão, Projetos 03080401 e 02080401. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida a F. A. Petter.

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